No ano de 1977, trabalhadores da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, ligada à Rede Ferroviária Federal, viram por várias ocasiões surgirem luzes nos trilhos, na região entre Estação Agente Inocêncio e o Posto 50, próximo a Porto Esperança, no Mato Grosso do Sul. Mas o trem nunca chegou, deixando assombrado quem presenciou a repentina claridade do outro lado da linha.
Na época, Sebastião de Souza Brandão, morador de Ladário (MS), não acreditou na história até ver com os próprios olhos, quando trabalhou no trecho como supervisor de via permanente. Trinta e sete anos depois, o ferroviário aposentado, aos 70 anos de idade, decidiu contar o que viu em um documentário de curta-metragem, por meio da quinta edição do projeto Revelando os Brasis.
Sebastião e mais 19 moradores de cidades pequenas vindos de várias partes do Brasil participaram das Oficinas Audiovisuais realizadas pelo projeto, no Rio de Janeiro. Os autores estudaram com especialistas renomados da área do cinema noções básicas sobre roteiro, produção, direção, fotografia, direção de arte, som, dentre outras disciplinas. Eles receberam dicas sobre como transformar as histórias que contaram em documentários ou ficções de curta-metragem.
O Revelando os Brasis promove a democratização do acesso aos meios de produção audiovisual, oferecendo aos moradores das pequenas cidades com até 20 mil habitantes a possibilidade de contar suas próprias histórias através do cinema. Trata-se de um instrumento de registro da memória e da diversidade cultural do país e revela novos olhares sobre o Brasil. O projeto é realizado pelo Instituto Marlin Azul com patrocínio da Petrobras através da Lei Rouanet.
A história – Por quase quatro décadas, a história do misterioso trem ficou guardada nas lembranças dos ferroviários que atuaram naquele trecho da ferrovia que cortava a região Centro-Oeste. “Os antigos me contavam que à noite apareciam luzes de um trem, vindo no sentido entre a Estação Agente Inocêncio e o Posto 50, na direção do Pantanal. Era visto dos dois lados, mas nunca havia saído de lugar algum”, conta Sebastião, ferroviário aposentado há quatro anos.
Inicialmente, ele não acreditou na veracidade dos relatos. Mas, quando foi transferido para a região, teve a oportunidade de confirmar o caso. “Vi as mesmas luzes e também vi fogo queimando na linha férrea. Por várias vezes, como responsável pela turma, reuni a brigada para apagar as chamas, porém, nunca foi constatado a queima de qualquer coisa no local”, relata o diretor. Segundo ele, os homens da brigada chegavam a andar por dois quilômetros na direção do fogo, mas o local permanecia intacto.
Em 2013, a filha de outro ferroviário, colega de trabalho de Sebastião, e ligada à Fundação Municipal de Cultura de Ladário, o incentivou a inscrever a história na quinta edição do Revelando os Brasis. O diretor sonha em exibir o curta-metragem na rua em frente ao local que abrigou o antigo cinema de Ladário, fechado há 35 anos. “Espero que o filme fique muito bom. Muitas pessoas costumam não valorizar as tradições da região. Com o filme, vamos mostrar Ladário e Corumbá”, almeja.
O diretor – Casado há 41 anos, Sebastião de Souza Brandão, tem seis filhos e nove netos. Aos 13 anos, trabalhou na bilheteria de um circo que circulou por várias cidades do Mato Grosso do Sul. Foi caminhoneiro, peão boiadeiro, maquinista de barco no Rio Paraguai até chegar a ferroviário.
Atualmente, o diretor, além de trabalhar com reforma de móveis antigos, é um grande mobilizador de ações de preservação da cultura tradicional no município. Aprendeu a fabricar a viola-de-cocho com o pai e com os Guatós, grupo indígena conhecido pela habilidade na construção de canoas com troncos de árvores, originários do Alto Paraguai, que após a expulsão de suas terras, foram viver em áreas do Pantanal.
Feita de madeira, a viola-de-cocho é um instrumento musical marcante dos estados Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso. Seu som acompanha os ritmos e danças do Pantanal, o cururu e siriri, usados para saudar os folguedos populares. O Ministério da Cultura registrou o modo de fazer a viola como patrimônio imaterial do Brasil.
Inicialmente, o mestre artesão e cururueiro ensinou os filhos e netos a construir a viola. Hoje, em um pequeno galpão no quintal de casa, ele instrui pessoas com idade entre 18 e 29 anos a fabricar o instrumento. A Oficina de Confecção da Viola-de-Cocho faz parte do Microprojeto Pantanal, viabilizado por meio da Funarte. Para Sebastião, que toma o cuidado de buscar a licença dos órgãos ambientais para o corte da madeira de modo a não agredir a natureza, a oficina é importante porque incentiva o jovem a conhecer a história do seu povo e a manter viva a cultura do estado.
A seleção na quinta edição do Revelando os Brasis surpreendeu o diretor. “Eu não tinha ideia que ia dirigir um filme. Quanto mais vivo, mais experiência aparece. Enquanto estiver vivo, eu não quero parar”, comemora Sebastião de Souza Brandão.
Confira o depoimento do diretor, gravado durante as Oficinas Audiovisuais, no Rio de Janeiro: