Revelando os Brasis | Revelando os Brasis V grava povo que virou açúcar

EDIÇÃO - Ano V

Revelando os Brasis V grava povo que virou açúcar

 

Dias de glória viveu o vilarejo de Japurá, no município de Tabapuã, em São Paulo, até a década de 40, quando a localidade abrigava uma promissora estação férrea. Daquele tempo restam a Estação Ferroviária, a Cadeia Velha, a Capela de São João Batista, o Cemitério em ruínas e algumas casas. Tão resistentes quanto os poucos prédios sobreviventes são alguns descendentes dos bravos moradores que não deixaram o local nem mesmo com a ameaça da Febre Amarela. A história será contada no documentário Japurá: O Povo que Virou Açúcar, de Geraldo Antônio Bellinelo, selecionado pela quinta edição do Revelando os Brasis.

As filmagens foram feitas de 18 a 22 de julho. Agora, o diretor se prepara para começar a edição do documentário. “Foi um privilégio poder contar com uma equipe integrada por Bia Marques (diretora de fotografia), Allan Ribeiro (som direto e edição) e Bruno Risas (assistente) que, juntamente com a equipe de produção local, superaram as expectativas. Tudo saiu além do roteirizado. Pra melhor. Só tenho a agradecer a todos (equipe e entrevistados), além é claro, dos apoiadores culturais que apostaram em meu filme e também na seriedade do Projeto Revelando os Brasis”, comemora Bellinelo.

Geraldo é um dos 20 moradores de pequenas cidades com até 20 mil habitantes selecionados pelo Concurso Nacional de Histórias, primeira etapa do projeto. Após terem suas histórias escolhidas, os autores foram para o Rio de Janeiro para estudar noções sobre roteiro, produção, direção, fotografia, direção de arte, som, dentre outras matérias. Com duração de 15 dias, as Oficinas Audiovisuais prepararam os autores para transformar a história em filme durante a etapa de gravação.

O Revelando os Brasis promove a democratização do acesso aos meios de produção audiovisual, oferecendo aos moradores das pequenas cidades com até 20 mil habitantes a possibilidade de contar suas próprias histórias através do cinema. Trata-se de um instrumento de registro da memória e da diversidade cultural do país e revela novos olhares sobre o Brasil. O projeto é realizado pelo Instituto Marlin Azul com patrocínio da Petrobras através da Lei Rouanet.

A história  – Distante 12 quilômetros da sede, o vilarejo de Japurá, abrigava uma das estações da Estrada de Ferro Araraquarense, encarregada de embarcar sacas de café e de cereais em direção ao Porto de Santos. Em seus tempos de ouro, até a década de 40, o pequeno bairro rural possuía uma população de aproximadamente 1.200 moradores distribuídos por oito quarteirões cuja composição arquitetônica revelava traços do progresso, com a presença de um hotel, um restaurante e até de uma agência automobilística multinacional.

Segundo o diretor, este mesmo progresso, aliado à decadência dos cafezais, desencadeou, na época, um processo de degradação da Mata Atlântica, culminando em um descontrole ambiental. “A destruição deste ecossistema fez com que o mosquito se proliferasse e perdesse o animal natural de sangue quente que vivia na mata e o substituísse pelo homem, outro animal de sangue quente, só que, com isso, transmitindo a Febre Amarela”, conta Geraldo.

Ele conta que a doença dizimou muitos moradores e expulsou para outras regiões quem conseguiu sobreviver à peste. Grande parte dos migrantes desmontou suas casas, levando consigo tijolos, telhas e o madeiramento, deixando uma cidade desfigurada. Além de se deparar com as ruínas e os poucos prédios, o visitante que chega à região pode encontrar Dona Pepita, que, no tempo do desmantelamento do vilarejo, era um bebê e sobreviveu à doença.

“Descendente destes moradores que não arredaram o pé, Dona Petita talvez seja a mais ousada e de boa memória e comunicação verbal. É ela quem narra histórias reais e algumas lendas que prendem a atenção de todos que visitam o local e aceitam um cafezinho em sua casa, sentados em tocos de paus e rodeados por patos, galinhas, porcos, cachorros e gatos do quintal”, relata o diretor em sua história. O curta-metragem conta ainda com narrativas e depoimentos de Olávio Delfino, José da Silva Lula e do historiador tabapuanense, Luiz Alberto Lopes Flores.

O diretor – Formado em Jornalismo pela Unisantos, Geraldo Bellinelo, percorreu diferentes áreas profissionais ao longo dos seus 55 anos de idade. Foi bancário e comerciário. No setor de comércio, trabalhou como vendedor e gerente de vendas em grandes lojas de departamento. Após experiências como gestor nas áreas da comunicação, do turismo e do meio ambiente, assumiu a diretoria de cultura da Prefeitura Municipal de Tabapuã. Dentro desta função e antes dela, sempre abraçou desafios na busca pela valorização e o fortalecimento das expressões artísticas e das manifestações culturais regionais e, em alguns momentos, se lançou pelo caminho da produção.

Dono de uma personalidade comunicativa e questionadora, Geraldo é apaixonado pela arte. Filho de descendentes de imigrantes italianos e portugueses, guarda da infância pequenas histórias marcadas por uma intimidade com a magia do cinema. Seu pai, Valdemiro Bellinelo, fez parte da banda responsável por acolher a plateia antes das sessões de cinema na cidade e, posteriormente, de tanto observar, aprendeu e exerceu também a função de operador de projeção. Nos primeiros tempos, o espaço fora batizado de Cine Polytheama (de propriedade dos irmãos Rodolfo e Félix Baldi) e, mais tarde, na década de 50, passou a se chamar Cine São José (de propriedade de Joaquim Antonio Ferreira, o Ferreirinha). Com o fechamento do cinema na década de 80, o prédio ganhou outros usos, desde igreja evangélica à loja de confecção.

Como seu pai trabalhava na projeção, Geraldo, desde pequeno, tinha a oportunidade de assistir aos filmes através das janelinhas da sala de projeção. Os pedacinhos de película (fotograma) que sobravam após a revisão do filme eram colados um no outro para que a garotada pudesse brincar de “cineminha”. O interesse por narrativas começou com o gosto por escrever poesias e por descrever gravuras, desde os tempos do Grupo Escolar, estimulado pela professora Zilda Soares Baldi e, depois, aperfeiçoado na época do curso ginasial pelas mãos da professora Yara Ney Bauab Isolato.

Imbuído da função de gestor público, o diretor tem desenvolvido ações voltadas para o resgate e a descoberta de talentos locais nas diferentes esferas da arte, como a música, o teatro e a literatura, assim como vem se empenhando em valorizar a memória e o patrimônio arquitetônico e imaterial do município.

“Os projetos oferecem aulas de violino, violão e fotografia para pessoas dos seis aos 60 anos.  Outra iniciativa é incentivar o gosto pela literatura, entendendo a leitura como instrumento transformador, relata o diretor.

Desde o primeiro Concurso Nacional de Histórias, Geraldo vem acompanhando a trajetória do projeto Revelando os Brasis, no entanto, somente na quinta edição decidiu efetivar a inscrição. “Fiz tantos ensaios, por que não me inscrever? Eu tenho fascinação pela história da cidade, por este sertão desconhecido. Para um município de 13 mil habitantes, esta experiência é super positiva porque é uma forma de dar visibilidade, de dar projeção para o lugar. O que aprendi com a experiência das oficinas audiovisuais e com a gravação, quero transformar em oficinas culturais locais, dividindo o conhecimento com outras pessoas, além de criar um cineclube”, informa Geraldo Bellinelo.

Confira o depoimento do diretor, gravado durante as Oficinas Audiovisuais, no Rio de Janeiro:

 

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