Revelando os Brasis | IMAGENS DO REVELANDO OS BRASIS EM DESTAQUE NA INTERNET

EDIÇÃO - Ano IV

IMAGENS DO REVELANDO OS BRASIS EM DESTAQUE NA INTERNET

O fotográfo Ratão Diniz acompanha o Revelando os Brasis desde a primeira edição do projeto. Foi através do Revelando que ele conseguiu comprar a primeira câmera fotográfica profissional. Nesta última edição do Circuito Nacional de Exibição, Ratão acompanhou a rota 3, que cruzou o nordeste brasileiro, passando por Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Maranhão e Piauí. Depois de quase dois meses na estrada, o trabalho desenvolvido pelo profissional está sendo reconhecido no meio fotográfico. Duas matérias estão no ar – uma no blog FotoGlobo, do jornal O Globo, e outra no portal Boivoador – destacando as imagens captadas por Ratão e a sua trajetória como fotográfo. Veja a íntegra das matérias nos links:

http://oglobo.globo.com/blogs/fotoglobo/posts/2011/10/01/revelando-os-brasis-408928.asp

http://boivoador.com/index/2011/08/09/revelando-parcerias-ratao-diniz/

Leia abaixo a entrevista originalmente publicada no portal Boivoador:

Ratão Diniz descobre nordeste e firma parcerias

Boivoador entrevista o fotógrafo carioca que constrói belos intercâmbios pela região durante o projeto Revelando dos Brasis

Texto de Ana Lira // Foto por Ana Lira

Depois de um mês e meio acompanhando a etapa nordeste do projeto Revelando os Brasis, o fotógrafo Ratão Diniz está de volta ao Rio de Janeiro. Em sua primeira semana na capital carioca, ele divulgou algumas dezenas de imagens do circuito e mostrou um panorama do nordeste que pouca gente costuma ver: um povo apaixonado por cinema, que produz diálogos próprios por meio do audiovisual e da fotografia e deseja desenvolver intercâmbios com outros lugares do Brasil.

Ratão Diniz está cobrindo a iniciativa pelo quarto ano consecutivo e, em sua passagem por Recife, fez questão de conhecer projetos sociais que admira e reforçar laços com antigos parceiros que conhecia apenas virtualmente. Foi o caso de Sandokan Xavier, do Revelando o Coque, Eduardo Queiroga, do Fotolibras e de integrantes de projetos como a escola Oi Kabum de Arte e Tecnologia e do grupo Do Olho do Peixe, localizado em Peixinhos, onde ocorreu a projeção 2011 do Revelando os Brasis.

A ocasião foi também propícia para ele dividir mais detalhes sobre os projetos que participa no Rio de Janeiro e que têm ajudado a discutir e transformar a vida de muita gente, inclusive a dele. Nesta conversa que tivemos, Ratão Diniz fala sobre a sua relação com a fotografia, a experiência na Escola de Fotógrafos Populares da Favela da Maré, o trabalho na Agência Imagens do Povo, a participação no Coletivo Favela em Foco e o desejo de ampliar o intercâmbio com o nordeste que ele tanto ama.

Boivoador – O que mudou na sua percepção do lugar em que você morava, da cidade do Rio de Janeiro e até do país, a partir da experiência na Escola de Fotógrafos Populares?

Ratão Diniz – Os motivos que me levaram a fotografar tenho até hoje como objetivo: conhecer pessoas, lugares que nunca imaginei que um dia pudesse estar e, de alguma forma, contar e contribuir com as historias destes lugares e destas pessoas. Sem dúvida, o olhar que tinha do lugar que moro mudou muito, comecei a perceber as histórias dos nossos vizinhos que vieram do interior do Brasil na busca de uma melhor qualidade de vida e isso me faz questionar que melhorias são estas? Será que apenas ter um bom salário e casa de alvenaria? Chegando aqui existem outros problemas até piores do que muitos viviam no interior. Minhas mãe tem um grande sonho: passar o resto da sua vida no Rio Grande do Norte, estado que nasceu.

Os meus pais são nordestinos. Minha mãe é de Goianinha, interior do Rio Grande do Norte, e meu pai de Guarabira, Paraíba. Mesmo nascido no Rio de Janeiro digo que nestas veias correm todo sangue arretado desta incrível região, cheias de historias de luta e resistência. Eita coisa boa é vivenciar experiências e poder visitar, agora não mais só na imaginação, como de corpo e alma. A fotografia me possibilitou, por exemplo, conhecer a cidade que minha mãe nasceu (Goianinha/RN). Ver cada lugar que ouvi durante toda minha infância nas histórias da minha mãe. Incrível a Praia de Pipa, que ela dizia que tomava banho. O paraíso que hoje está sendo explorado pelo turismo predatório. As dunas de Natal, onde ela rolava durante suas brincadeiras, a Praia de Redinha, onde comi um peixe incrível com tapioca, a Praia do meio. Nossa, tudo isso é incrível para mim, é parte da minha historia, da minha origem.

Esta viagem foi através de um trabalho que faço desde 2007 pelo Instituto Marlin Azul, o projeto Revelando Brasis, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. Tudo isso, Ana, lhe respondo resumidamente. Penso que, da mesma forma que as minhas idéias me levaram a fotografar, a profissão me levou a conhecer de perto este nordeste fantástico que sou muito apaixonado. É algo incrível o que sinto pela região, sem dúvida alguma faz parte de mim, meu corpo e sentimentos corresponde a tudo isso.

Boivoador – A que discussões você teve acesso na Escola de Fotógrafos Populares que não teve (ou não teria) em outro lugar?

Ratão Diniz – O de reconhecer o espaço onde eu moro e discutir como individuo pertencente a este lugar. Assumir como um espaço legitimo conquistado pelos pais e vizinhos. A minha identidade. Vou lutar para a melhoria de vida sem precisar esquecer a minha origem e negá-la. Desejo desenvolver tudo que acredito e jamais prejudicar as comunidade populares.

Boivoador – Qual foi o teu projeto de conclusão de curso? Por que você escolheu o tema fotografado?

Ratão Diniz – Durante o curso, cada fotógrafo precisa desenvolver um projeto de conclusão e meu trabalho foi muito focado na criança em três situações: a) trabalho infantil, situação muito comum nos espaços populares, por conta das crianças buscarem ajudar na economia de casa e até mesmo ter sua independência financeira; b) olhares, como forma de comunicação; c) explosões de alegrias, expressões que possam contrapor o olhar da grande mídia sobre os espaços populares. É conhecer os espaços populares como um lugar que explode vida, alegria, sorrisos e não somente explosões de pólvora, bala e violência. Um outro trabalho que realizei paralelo ao projeto de conclusão de curso foi o Marecatu, reencontro das tradições. Sou muito apaixonado pela cultura popular e queria muito desenvolver um trabalho no interior do Brasil, como não tinha um dinheiro, resolvi buscar estas festas perto de mim. Então, aqui mesmo na Maré tem um grupo de maracatu chamado Marecatu, que acompanhei durante 6 meses.

Boivoador – Depois da formação na Escola de Fotógrafos Populares, você ingressou na Agência Imagens do Povo. Que aprendizados a agência de te proporcionou do ponto de vista de articulação social, organização pessoal e observação do mundo do trabalho?

Ratão Diniz – A agência, sem dúvida, deu uma estrutura de trabalhos. Hoje tenho vários clientes que consegui a partir da agência. Algo muito importante, hoje, neste mercado digital, é a organização do seu arquivo. Aprendemos a fazer e estamos sempre discutindo entre nós como dar conta da produção. Sempre quando vamos participar de concursos, exposições, conversamos entre nós para saber a opinião de cada amigo e amiga se é legitimo aquele evento. Somos consultores de cada um para evitar queimação de filme, já que acreditamos numa fotografia critica antes de tudo, até mesmo do dinheiro. Tenho total consciência que este trabalho é político e que vem de uma longa história da fotografia brasileira, como por exemplo os movimentos que as importantes Agência F4 e Agência Imagens da Terra tiveram quando lutaram pelo crédito, pela tabela de preço mínimo. Então, não posso deixar de negar que o Imagens do Povo é fruto desta agitação que os colegas e as colegas tiveram.

Boivoador – Com quem você trabalha hoje?

Ratão Diniz – Hoje estou trabalhando no projeto Rio Economia Solidária, da Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário da Prefeitura da Cidade do Rio. Este projeto é algo que sempre acreditei e sempre discutimos nos movimentos sociais: a relação de autogestão do desenvolvimento econômico solidário. Meu trabalho nesta secretaria vai até outubro deste ano. Eu também faço freelancer para diversos clientes: UNICEF, People?s Palace Projects/ Queen Mary, University of London, Instituto Marlin Azul?

Boivoador – Quem escolhe as pautas que você faz?

Ratão Diniz – As pautas pela agência-escola são jogadas para o todo o grupo e os fotógrafos interessados colocam seu nome. Como a proposta é fazer circular o máximo de fotógrafos existem os critérios de seleção: experiência do profissional conforme a pauta, pessoas que não pegaram pautas remuneradas. Muitas das vezes os clientes já entram em contato querendo um fotógrafo ou fotógrafa específico e isso é uma maneira também de selecionar.

Boivoador – Qual o trabalho mais significativo que você desenvolveu pela agência?

Ratão Diniz
 – Hum, são tantos, mas um que sem dúvida alguma me deu uma grande experiência e me possibilitou ter o meu primeiro equipamento digital foi o Revelando os Brasis. Não só isso, mas me proporcionou viver momentos que jamais irei esquecer. Encontrar com pessoas e conhecer lugares que nunca pensei existir. Este trabalho foi também uma grande experiência profissional porque eu tive uma grande responsabilidade de conhecer o equipamento sozinho e me virar durante dois meses com diversas condições de luz, situações, momentos. Ali aprendi a fotografar. No meio do sertão pernambucano com apenas dois cartões de memória de 2 GB cada um, sem laptop. com tantas imagens para registrar, querendo eternizá-las e compartilhar com todos.

Boivoador – A partir destas experiências todas, você chegou a desenvolver intercâmbios ou atividades em outros lugares (dentro ou fora do Rio)?

Ratão Diniz – Fiz trabalhos fora do Rio. O Revelando os Brasis mesmo tive a oportunidade de conhecer mais de 50 cidades do interior do Brasil, com uma população de até 20 mil habitantes no nordeste, norte, centro-oeste e sudeste. Chuto sem medo de errar que andei mais de 20 mil quilômetros nestes três anos que fotografei pelo projeto. Além disso, em outubro de 2010 fiquei o mês todo viajando pela Inglaterra fotografando um projeto, o Points of Contact Project, do People?s Palace Projects/ Queen Mary, University of London. Percorri quatro cidades do país, Newcastle, Londres, Manchester e Liverpool, conhecendo estes lugares e fotografando os trabalhos deste projeto. Recebemos sempre o convite para dar oficinas em outras cidades e palestras. Fabio Caffé e eu somos grandes parceiros em oficinas.

Boivoador – Você agora em 2011 teve a oportunidade de estreitar a sua relação com o nordeste, conhecendo projetos e comunidades. O que mais te chamou atenção nesta nova visita?

Ratão Diniz – Nesta 3º viagem ao nordeste, pelo Revelando os Brasis, pude conhecer algumas experiências com trabalhos fotográficos em Recife e Teresina e, nesta vivência, percebi que as pessoas têm um compromisso muito comum com a fotografia: fazer com que estas imagens possam contar histórias e poder contribuir para mudança das realidades locais. Em Recife puder perceber isso através da experiência no Coque, Peixinhos. Na OI KABUM foi uma passagem bem rápida neste ano, mas já conheço o trabalho desde 2007 e sei que tem uma força incrível, uma proposta política, super engajada. Os jovens que estão envolvidos com o projeto tem uma visão de mundo fantástica.

Em Teresina, pude encontrar com a galera do Piauí Photo Clube. Pessoas incríveis, que utilizam a fotografia com amor, tesão, carinho, uma relação que muitos colegas do fotojornalismo deixam se perder. Mesmo que precisemos de dinheiro para pagar nossas contas, não podemos deixar dinheiro atropelar nossos ideais e nem mesmo nossa paixão. O PPC utiliza a fotografia com prazer e tive uma tarde incrível, em que pude compartilhar alguns dos meus trabalhos para os fotógrafos do grupo, inclusive o que estava desenvolvendo o Revelando os Brasis ANO IV. Lembrando que foi um encontro puxado pelo Luiza Meireles, Raissa Moraes e Regis Falcão. Em menos de 15 horas, eles conseguiram um espaço no centro da cidade, datashow, laptop, além disso tudo, o mais importante, a participação de aproximadamente 40 pessoas para este encontro inesquecível. Foi uma tarde que marcou muito a minha passagem pelo o nordeste neste ano.

Também não posso esquecer de um grande amigo fotojornalista de Maceió/AL. Logo após a sessão na capital alagoana vem um rapaz alto em minha direção perguntando se aquela estrutura era do projeto Revelando os Brasis. Respondi prontamente dizendo que sim e logo em seguida me pergunta se eu era o Ratão Diniz. Fiquei na duvida por um instante: “quem será este cara?!?!?”. Confirmei ser eu mesmo e ele se apresentou dizendo ser o Marcelo Albuquerque, colega do flickr. Fiquei super feliz e honrado em receber naquele momento a visita deste grande fotógrafo que acompanho pelo site. Conseguimos conversar um pouco das experiências no Rio e Maceió e pude perceber também neste profissional a proposta e vontade de fazer da fotografia sua paixão. Nestes momentos vejo que muitos colegas do fotojornalismo mantém sua relação inicial com esta linguagem que nos move e nos encantam a cada click e personagens que conhecemos nestes Brasis.

Agora respondendo a outra parte da sua pergunta inicial, Aninha, sobre o que mais chamou atenção nesta nova visita. É a admiração que as pessoas que conheci têm com a fotografia, que é a mesma admiração que tenho por ela. Digo para minha companheira que ela é a mulher da minha vida, que sou apaixonado por esta linda mulher e a fotografia é minha única amante nesta caminhada.

Boivoador – O que esta experiência agregou para as suas discussões e o que você vai levar para os grupos que participa no Rio de Janeiro?

Ratão Diniz – Sem duvida é compartilhar as histórias e experiências destes grupos para os colegas do Rio de Janeiro e por onde estiver. Porque acredito que muitos não seguirão a fotografia como profissão, mas todos levarão a fotografia para o resto de sua vida. Seja ela apenas como uma aprendizagem, seja ela como instrumento e ferramenta de poder contar suas historias.

Boivoador – Como você percebeu a relação da população com a imagem? Como ela respondeu ao cinema e ao teu trabalho fotográfico?

Ratão Diniz 
– Muitas pessoas das cidades que passamos me viam como um profissional da grande mídia, algo que acontece em muitas favelas do Rio de Janeiro. E a primeira coisa que tentava fazer era mudar esta idéia, porque não gosto de ser rotulado como fotógrafo da imprensa (sem desmerecer a profissão, porque reconheço sua importância, só não entendo atitudes de alguns colegas). Não quero parecer piegas demais, mas o que desejo é ser um fotógrafo deles e poder fazer parte daquele momento em suas vidas de uma forma bem próxima. Foi o que aconteceu em muitas vezes. Nenhum momento senti negação por parte dos moradores, pelo contrário, me receberam super bem e abriram suas portas para minha entrada. Isso é um prazer incrível porque demonstra a confiança que têm em você e depois de conquistada não podemos deixar isso se perder, jamais.

Estar com o Revelando os Brasis nas cidade é um ponto super positivo, porque é um projeto que a comunidade participa. Então muitas pessoas estão envolvidas com o trabalho. É um encantamento ver toda aquela estrutura do cinema montada, mesmo para a equipe que esta ali, quase todos os dias montando. Imagina para os moradores de municípios com até 20 mil habitantes? E ainda mais sendo exibidos filmes da sua cidade, contando parte de sua historia? É fantástica a recepção dos moradores?sem explicação.

Boivoador – Que parcerias com fotógrafos, entidades ou grupos surgiram a partir dessa vivência na escola, na agência e por meio de seus intercâmbios?

Ratão Diniz – Todos estes projetos que mencionei acima são conseqüências de trabalhos feitos. Ate hoje tenho uma relação muito grande de amizade, de carinho com as pessoas envolvidas nestas organizações. Tem também a galera de Vitória (Carla Osório, Apoena Medeiros, Rogério Medeiros, Fred Pacifico), que organizou o festival Vitória Foto. Até hoje tenho sinceras amizades com estas pessoas e a partir delas conquistamos muitas amizades bacanas no Espírito Santo. Em Pernambuco também temos amizades fantásticas, um estado que todos se apaixonam e tem uma fotografia muito importante para nós e o cenário brasileiro. Recife é uma cidade que tenho muita esperança de vivenciar muito mais do que já pude. Conhecer cada pedaço dos espaços populares da cidade e ver mais perto a importância da cultura que movimenta estas pessoas lindas!!!!! No Rio de Janeiro, a partir da escola, também surgiu o Coletivo Favela em Foco que tem como proposta utilizar a linguagem multimídia que está aí e devemos nos apropriar dela para desenvolver documentações intensas, como por exemplo o projeto que estamos fazendo no Morro do Alemão, denominado imPACtos, e os do do Morro do Bumba, Chuva na Serra?

Boivoador – Que projetos você admira? Por que eles são importantes?

Ratão Diniz – imPACtos do Favela em Foco. É um dos trabalhos que estive mais presente durante o coletivo e pudemos ouvir diversos depoimentos de moradores do morro. O que as obras do PAC causaram na vida destas pessoas. Vizinhos que tiveram que sair para abrir ruas ou construir estações do teleférico. A vizinhança era como uma grande família, um cuidava do outro há mais de 50 anos. Uma mudança que acabou causando tristeza, mas que também teve seu lado positivo como o exemplo de uma senhora que morava numa casa úmida, pequena e que foi morar num apartamento. Mesmo sendo pequeno, valeu para a saúde dos filhos já que não é úmido como a antiga casa.

Boivoador – Você tem algum projeto que gostaria de desenvolver no futuro? Com quem gostaria de trabalhar?

Ratão Diniz – Puxa, não é nem mais vontade, mas sim necessidade. Realizar um trabalho no nordeste. Que necessidade sinto disso, de poder ver uma Escola de Fotógrafos Populares com uma estrutura fantástica que pudesse proporcionar para as pessoas um curso de excelência nas comunidades populares. Sei que este desejo não é apenas meu, mas sim do J.R. Ripper. Ele fez muitos de nós acreditar neste seu sonho e compartilhou esta maravilha conosco. Adoraríamos ver isso funcionando, produzindo material a partir do olhar dos seus moradores e de quem deseja viver esta experiência. O Ripper sem dúvida estará conosco nesta história, não importa o tempo que levar para isso acontecer, mas espero que em breve possamos viver esta experiência fantástica que nos move.

Boivoador – Quais foram as respostas da comunidade para as atividades da Escola de Fotógrafos Populares e da Agência Imagens do Povo?

Ratão Diniz – Uma discussão que temos até hoje é o retorno aos fotografados. Isso não podemos deixar de dar, seja através de uma ampliação, amizade, projeção de imagens?Uma lembrança que tive agora foi quando o Leandro, um vizinho que fotografei quando era criança. Indo para a escola nos encontramos numa rua principal da Nova Holanda e ele me disse: “Ratao, vi uma reportagem sobre o Imagens do Povo na TV agora mesmo”. Falei: “como você sabe?” e ele disse “ué, pô, reconheci quando falou escola de fotografia da Maré e sei que você participa do Imagens do Povo. Você acha que não sei Ratao?” Saímos dando risadas e eu claro fiquei muito feliz pelo reconhecimento. Sei que naquele dia pessoas que nunca imaginei conhecer o trabalho já acompanham há muito tempo. O Imagens do Povo acabou sendo uma grande referência, principalmente na Maré, comunidade onde está localizada.

Lembro, também, quando uma criança foi executada pela polícia e os familiares bateram na porta de um fotografo para acompanhar as manifestações que fizeram no batalhão da Maré. Foi um momento tenso e os moradores sabiam que a imagem tinha sua devida importância, seja para denunciar a violência policial, evitar uma maior violência, anexar num futuro processo e até mesmo como um registro histórico. Isso partiu dos moradores. Eles foram atrás de fotógrafos para estar ao lado deles. Lembro que no dia do enterro a avó foi até o Imagens do Povo nos procurar para fotografar o enterro da criança. Foi um dos momentos mais difíceis que fotografei. Saí no ônibus com os familiares e amigos para registrar aquele momento de dor tão intimo. Foi difícil, muito difícil, mas sabia que aquele material era importante para ajudar a denunciar esta violência que vivemos nas favelas cariocas. Divulgamos junto com um texto incrível do Dudu Azevedo onde ele narra muito bem a banalização da morte, situação que os espaços populares vivem. Será necessário morrer tantos Renan?

Boivoador – Quais os retornos que vocês tiveram de outros setores da sociedade para as atividades que desenvolveram na agência e na escola?

Ratão Diniz – Acho que o reconhecimento do nosso trabalho como fonte de inspiração para realizar muitos outros, mas acho que devemos criar políticas públicas, pensando que a fotografia é uma grande ferramenta para se comunicar e expor seus sentimentos. Todos trabalhos que venho tentando desenvolver são muito pela paixão de querer viver cada momento. Consegui expor as fotografias sobre os grafiteiros que venho desenvolvendo desde 2008. O material sobre o Bloco da Lama em Paraty/RJ quero propor uma reunião no próprio bloco. Recebi ano passado um convite maravilhoso que o companheiro Fábio Caffé intermediou para fotografar o Roda Gigante. Este trabalho estava tentando fotografar desde 2006, mas nunca obtive respostas, até que estavam precisando de fotógrafo e o Caffé me indicou para fazer com eles. Hoje trabalhamos Francisco César, Fabio Caffé e eu para o Roda Gigante. Estamos com várias ideias fotográficas para eles este ano.

Boivoador – Qual o retorno do meio fotográfico? Como você acha que o trabalho da escola / agência / projetos é visto? O que pensa sobre isso?

Ratão Diniz – Eu ainda não consigo ter a dimensão do nosso trabalho fora. É difícil para quem está vivenciando ter esta visão, mas acredito que muitas pessoas tem bons olhos sobre o programa, mas acho que não podemos apenas se limitar nos bons olhares, mas sim buscar nosso espaço dentro dos festivais, fóruns, seminários, concursos e, dentro disso tudo, expor nossa discussão política. Não adianta começar projetos porque está previsto no orçamento um cursinho de fotografia. NÃO! Chega! Queremos algo que busque capacitar profissionalmente o individuo e que tenha uma discussão sobre o papel dele na sociedade. Que seja um curso de qualidade para ele atuar e dividir trabalhos com qualquer outro profissional da área.

Boivoador – Como é a relação com os outros fotógrafos da cidade? Existe diferença na maneira de tratar, respeitar você?

Ratão Diniz – Tenho como referencia para o meu trabalho, como por exemplo Marizilda Cruppe, Severino Silva, Custódio Coimbra, Gustavo Stefano. São pessoas que admiro muito e tenho certeza que fazem uma grande diferença nos veículos que atuam. A fotografia é como qualquer outra profissão no sentido de ter bons e ruins profissionais. Avalio um bom fotógrafo não pelo seu trabalho, mas pelo respeito com que trata as pessoas fotografadas.

Boivoador – Como é a relação com a imprensa tradicional e alternativa, tanto do ponto de vista de reconhecimento do projeto quanto de aceitação do material produzido por vocês?

Ratão Diniz – Temos uma boa aceitação, mas muitas pessoas têm medo de virarmos concorrentes. Acho esta visão limitada demais. Puxa, tem mercado para a galera. Por exemplo: eu passo trabalhos para os amigos porque não dou conta dos muitos convites para trabalhar. Uma vez publicamos na revista O Globo uma material de 9 páginas, se não me engano. Esta publicação nos rendeu o prêmio Faz Diferença 2008 do jornal O Globo.

Boivoador – Um dos pontos mais discutidos quando se fala da experiência de vocês é a construção de um discurso diferenciado sobre o lugar que vocês vivem, as histórias que contam e o mundo que desejam construir. De que maneira a fotografia contribui com isso?

Ratão Diniz – Sim, esta discussão de um olhar diferenciado sobre os espaços que vivemos é muito dialogada, porque acreditamos que as favelas são espaços de vida, de uma energia muito intensa e positiva e são estas forças que desejamos compartilhar, mas claro não podemos negar também seus problemas, que sabemos existir. Lá no inicio da nossa experiência tínhamos o seguinte discurso: “nós conseguimos fotografar melhor a favela por sermos moradores”. Esta discussão já está batida e penso da seguinte forma: existem pessoas que não moram em favelas, mas vivem esta realidade mais do que muitos moradores. Então, acredito que esta pessoa tem muita capacidade de produzir um trabalho interessante, talvez muito melhor.

O Fabio Caffe é um grande exemplo disso. Quando ele chega na Maré é muito bem recebido pelos moradores. É incrível a relação que tem com elas e esta figura vive cada momento intenso. Numa aldeia indígena será que não conseguiria fotografar com respeito? Claro que sim, o que vale é o sentimento que o profissional tem sobre seu trabalho e isso temos, e acredito que muitos que não moram têm com eles e desejam muito poder ter a oportunidade de fotografar favelas com um olhar cúmplice, um olhar diferenciado como nós propomos. Lembro que o Marc Riboud nos visitou em 2009. Foi muito bom vê-lo fotografar a Nova Holanda. Aprendi com ele demais neste dia. Tivemos também a oportunidade de receber dois grandes fotógrafos gaúchos, Tadeu Vilani e Daniel Marenco. Foi sensacional ver sua produção e assistir de perto como produzem. É demais isso, vi muita sinceridade e respeito nos seus trabalhos e tenho como grandes referências estes grandes mestres da fotografia.

Boivoador – Quando você pensa em fotografia e democratização da comunicação, que temas e discussões são importantes desenvolver?

Ratão Diniz – Direitos Humanos. É o direito que nós, como indivíduos, temos ou devemos ter para expressar o que desejamos. É o direito pela vida e isso nós devemos ter total consciência. A partir deste reconhecemos muitos outros direitos.

terça-feira, 09 de agosto de 2011

Ana Lira
ana@boivoador.com » http://boivoador.com/
Jornalista, fotógrafa, educadora e pesquisadora. Atua como freelancer, adora escrever cartas à mão, faz coleção de revistas e na paixão por trabalhos coletivos é integrante do Trotamundos e de projetos como 7, Torres Gêmeas e L3.

 
  1. facebook
  2. instagram
  3. youtube